AGROMETEOROLOGIA
NOTA
DEFINIÇÃO E ESQUEMATIZAÇÃO DAS FASES FENOLÓGICAS DO CAFEEIRO ARÁBICA NAS CONDIÇÕES TROPICAIS DO BRASIL(1)
ÂNGELOPAES ED CAMARGO(2), MARCELO BENTOPAES ED CAMARGO (2)
RESUMO
O café arábica (Coffea arabica L.) leva dois anos para completar o ciclo fenológico de frutificação, ao
contrário da maioria das plantas quecompletam o ciclo reprodutivo nomesmo ano fenológico. Após
várias tentativas para definição e esquematização das distintas fases fenológicas do cafeeiro, chegou-se
au m a forma racional constituídadeseis fases distintas envolvendo os dois anosfenológicos, iniciados
em setembro. As fases são: 1a fase, vegetativa com sete meses, de setembro a março, todos com dias
longos; 2° fase, também vegetativa, de abril a agosto, com dias curtos, quando há indução das gemas
vegetativas dos nós formados na 1a fase, para gemas reprodutivas. No final da 2a fase, em julho e
agosto, as plantas entram em relativo repouso com formação de um ou dois pares defolhas pequenas,
queaparecem no períodode relativo repouso do cafeeiro, entre os dois anos fenológicos. Em seguida
vem a maturação das gemas reprodutivas após aacumulaçãode cerca de 350m m deevapotranspiração
potencial (ETp), a partir de abril; 3a fase, de florada e expansão dos frutos, de setembro a dezembro.
As floradas ocorrem cercade 8a 15 dias após oaumento dopotencialhídrico nasgemas florais (choque hídrico), causado por chuva ou irrigação; 4a fase, granação dos frutos, de janeiro a março; 5° fase,
maturação dos frutos aocompletar cerca de 700 mm de somatório de ETp, após aflorada principal; 6a fase, de senescência emorte dos ramos produtivos, não primários, em julhoe agosto. Palavras-chave: Coffea arabica L., clima, fenologia, maturaçãodasgemas, maturação dos frutos.
ABSTRACT
DEFINITION A N D OUTLINE FOR THE PHENOLOGICAL PHASES OF ARABIC COFFEE UNDER BRAZILIAN TROPICAL CONDITIONS
The arabic coffee (Coffea arabica L.) takes two years to complete the entire phenological cycle of the
frutification, unlike most of the other crops, that complete the reproductive cycle in one year. Six different phenological phases, taking a total of two years, are proposed, starting in September of each
year. The phases are: 1" phase: vegetative, with seven months, September to March, with long days; 2" phase: also vegetative, April ot August, with short days, when occurs the transformation of the vegetative buds of the knots formed in the 1 phase to reproductive buds. At the end of this phase,
July and August, the plants enter in relative dormancy with formation of one or two small pair of leaves, that usually do not flourish. Thematuration of the reproductive buds comes after the accumu- lation of about 350 m of potential evapotranspiration (ETp), starting by hte beginning of April; 3r phase: flowering and grain expansion, September to December. Usually the flowering happens about 8 to 15 days after theincrease of the water potential inside the floral budscaused by rain or irrigation; 4''phase: grain formation, January ot March; 5"' phase: grain maturation, when about 70 m ofETp
()
Recebido para publicaçãoem 20 de outubro de 2000e aceitoem 14de março de 2001.
Centro de Ecofisiologia e Biofísica, Instituto Agronômico (IAC), Caixa Postal 28, 13001-970 Campinas (SP). Email: mcamargo@iac.br Com bolsadeprodutividade em pesquisa do CNPg.
Bragantia,Campinas, 60(1), 65-68, 2001
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A.P. CAMARGO e M.B.P. CAMARGO
accumulatessince the main flowering; 6' phase:senescence and death of thenon-primaryproductive branches,i n July and August.
Key words: Cofen arabica L., climate, phenology, bud maturation, grain maturation.
Introdução
A maioria das plantas emitem as inflorescências na primavera e frutificam no mesmoanofenológico. O cafeeiro arábica (Coffea arabica L.) é u m a planta
especial, que leva dois anos para completar o ciclo fenológico. No primeiro, formam-se os ramos vegeta- tivos, com gemas axilares nos nós, durante os meses de dias longos. Em janeiro, quando os dias começam a se encurtar, as gemas vegetativas axilares são in- duzidas por fotoperiodismo em gemas reprodutivas (GOUVEIA, 1984).
Em abril, depois do equinócio de março, com os dias curtos com menos de 13 horas de luz efetiva
(PIRINGER e BoRTHWICK, 1955), intensifica-se a indução das gemas foliares existentes para gemas florais,que começam a se desenvolver. Essas gemas florais vão amadurecendo e, quando maduras, entram em dor- mência e ficam prontas para a antese, quando ocorre um aumento substancial do potencial hídrico nas ge- mas dormentes. Ochoquehídrico, causado por chuva ou irrigação, é o principal fator para desencadear a florada. Outrosmotivos, como um acentuadoaumen- to da umidade relativa do ar, mesmo que os cafeeiros não recebam chuva diretamente, poderá também pro- vocar a florada (CAMARGO e FRANCO, 1985). Esse fato pode também ocorrer em gemasmantidas molhadas, por vários dias, com uma mecha de algodão embe- bida em água (MES, 1957).
O segundo anofenológicoinicia-se com a florada, formação dos chumbinhos, que precede a expansão dos grãos até atingir o tamanho normal. Em seguida
ocorre a granação dos frutos e a fasede maturação. Finalmente advém a senescência, morte dos ramos plagiotrópicos terminais, e a conhecida auto-poda. Na primavera do ano civil seguinte brotam novos ramos vegetativos, que se transformam em reprodu- tivos, permitindo nova produção, defasada no ano seguinte.
Aesquematização dasdiferentesfasesfenológicas do cafeeiro arábica é útil para facilitar e racionalizar as pesquisas eobservações na cafeicultura. Possibilita identificar as fases que exigem água facilmente dis- ponível no solo e aquelas nas quais torna-se conve- niente ocorrer um pequeno estresse hídrico, para condicionar uma abundante florada. A esquemati- zação facilita, entre outras coisas, o reconhecimento das melhores épocas de aplicação de tratamentos f-i tossanitários e a execução das diversas operações agrícolas necessárias.
Esta nota visa apresentar um esquema simples e racionalda fenologia do café arábica, considerandoa s diferentes fases fenológicas, para as condições tropi- cais brasileiras.
Discussão
Diversas formas d e definir e esquematizar a se- quência das fases fenológicas do cafeeiro arábica fo- ram propostas anteriormente. Modelos com base no ano civil e no ano fenológico foram considerados, incluindo-se modelos de quatro, seis, sete e de oito fases (CAMARGO, 1998). O modelo atual de seis fases, bastante racional, é apresentado nesta nota, válido
1a Fase
Vegetação eformação das gemas foliares
Dias longos 7m e s e s
+ 4
2a Fase
Indução e maturação das gemas florais
Diascurtos ETPe 350mm
-* 4
3" Fase
Florada (após aumento do potencial hídrico dase m a s
Chumbinho e expansão dos frutos
ETPa 70mm.
dos ramos
terciáriose • quaternarios
-1° Ano fenológico•
2° Anofenológico
4a Fase 5a Fase 6a Fase
Granação Repouso e dosfrutos dosfrutos senescência
Folhas pequenas
Set. Out. Nov.Dez.Jan. Fev. |Ma.rAbr. Mai. Jun. Jut. Aga. Set. Out.Nov.Dez. lan. Fev. Mar.Abr. Mai. Jun.
Jul. Ago. •Período Vegetativo • Repouso
Período reprodutivo
•
Autopoda
Novoperíodovegetativo
Figura 1. Esquematização das seis fases fenológicas do cafeeiro arábica, durante 24 meses, nas condições climáticas tropicais do Brasil.
Bragantia,Campinas, 60(1), 65-68, 2001
Local
Franca (SP) Campinas (SP) Mococa (SP) Ribeirão Preto (SP) Pindorama (SP) Adamantina (SP) Araçatuba (SP) Jales (SP)
Machado (MG) Patrocínio (MG) Patos de Minas (MG)
Caratinga (MG) Araguari (MG) Londrina (PR)
Abr Maio lun lul
Ago
Set Out
361 451 361 448 402 502 409 513 411 515 403 505 430 540
Fases Fenológicas do Cafeeiro Arábica nas Condições Tropicais do Brasil 67
para variedades de café Catuar e Mundo Novo. Esse esquema, apresentado na figura 1, mostra a seqüência e a scaracterísticas das seis fases fenológicas distintas: três delas no primeiro ano fenológico e outras três no segundo.
No primeiro ano fenológico, a fase inicial, vege- tação e formação das gemas foliares, vai de setembro a março. São sete meses de dias longos, com fotope-
ríodo acima de 13 e 14 horas de luz efetiva ou acima de 12 horas debrilho solar (CAMARGO, 1985).
Asegunda fase, indução, maturação edormência das gemas florais, ainda no 1° ano fenológico, são de dias curtos (CAMARGO e FRANCO, 1985). Nesta fase, que
vai de abril a agosto, ocorre a indução das gemas foliares formadas na primeira fase, para gemas florais (GOUVEIA, 1984). No fim dessa segunda fase, em julho- agosto, as plantas entram em relativo repouso, quan- do emitem um ou dois pares de folhas pequenas, o que delimita os anos fenológicos.
A terceira fase éa primeira dosegundoano fenoló- gico. Inicia-se com a florada após um aumento do potencial hídrico nas gemas florais maduras (choque hídrico). Cafeeiros que recebem, nessa fase, água com muita frequência, têm a floração indefinida. Uma flo- rada principalocorre quando se verifica um período
de restrição hídrica, seguido de chuva ou irrigação abundante (RENA e MAESTRI, 1985). Temperatura am- biente elevada associadaa um intenso déficit hídrico, duranteo iníciod a florada, provoca amorte dos tubos polínicos pela desidratação, causando oabortamento das flores, resultando nas conhecidas "estrelinhas". Após a fecundação, vêm os chumbinhos e a expansão dos frutos. Essa etapa compreende os quatro meses, de setembro a dezembro. Havendo estiagem forte nessa fase, oestresse hídricopoderá prejudicar ocres- cimento dos frutose resultar na ocorrência de peneira baixa.
A quarta fase é a de granação dos frutos, quando os líquidos internos solidificam-se, dando formação aos grãos. Ocorre em pleno verão,de janeiro a março. As estiagens severas nessa fase poderão resultar no chochamento de frutos.
A maturação dos frutos se dá na quinta fase, com- preendendo normalmente os meses de abril, maio e junho. Nessa etapa, a evapotranspiração potencial (ETp) decresce significativamente e as deficiências hídricas moderadas beneficiam a qualidade do pro- duto. Asduas primeiras fasescorrespondem aoperío- do vegetativo e as três seguintes (terceira, quarta e
Quadro .1 Valores médios mensais de evapotranspiração potencial (ETp), segundo Thornthwaite, acumulados de abril a outubro, e temperatura média anual (Ta) de diversas regiões cafeeirasdos Estados deSão Paulo, Minas Geraise Paraná
ETp médiamensal acumulada nofinaldo mês
Ta Início d o florescimento
C°
19.7 Final setembro 20.7 Final setembro
21,8 Meados setembro 21,9 Meados setembro
22,2 Início setembro 22,2 Inícios e t e m b r o 22,9 Inícios e t e m b r o
73 130 176 79 138 184 83 145 195 84 147 198 86 151 203 87 151 200 90 156 212 89 156 213 75 129 172 78 143 196 80 147 201 84 150 201 85 155 212 81 137 176
- mm
223 284
231
290 247 317 251 322
25 5 3 2 5 251 320 266 339 269 345 213 267 2 4 8 317 254 324 252 312 268 342 2 1 9 276
440 553 22,9
Final agosto 335 420
19,6 Início outubro 400 493
20.7 Meados setembro 409 503
21.0 Meados setembro 383 475
21,2 Meados setembro 432 533
21,8 Início setembro 345 427
20,6 Final setembro
Fonte: Arquivos do Centro de Ecofisiologia e Biofísica (Climatologia Agrícola), Instituto Agronômico (IAC).
Bragantia,Campinas, 60(1), 65-68, 2001
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quinta) correspondem a período reprodutivo do cafeeiro.
As observações em cafeeiros adultos, em diferen- tes condições térmicas, aptas para o café arábica, vêm mostrando que as gemas florais completam a ma- turaçãoe entram em dormência, estando prontas para a antese principal, quando o somatório de ETp, a partir de abril, atinge cerca de 350 mm.
Os dados do quadro 1 mostram que, de modo geral, até o fim do mêsd e agosto, em nenhuma locali- dade osomatório de ETp atinge 350 mm, não estando os cafeeiros prontos para emitir a florada principal. As localidades com temperaturas mais elevadas, co- mo Pindorama,Adamantina, Araçatuba, Jales, Ribei- rão Preto (SP), Patos de Minas e Araguari (MG) apresentam normalmente floradas principais já no início de setembro. Nas localidades com tempera- turas médias anuais inferiores a 20 °C, como Franca (SP), Machado (MG), Londrina (PR), o somatório de ETp vai alcançar os 350 mm apenas mais tarde, em fins de setembro ou início de outubro, quando encon- tram condições para emitir a florada principal.
A sexta e última fase, de julho e agosto,constitui a de senescência dos ramos produtivos não-primários, que secam e morrem, condicionados à conhecida auto-poda dos cafeeiros.
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Bragantia,Campinas, 60(1), 65-68, 2001